O Princípio da Capacidade Contributiva na Cobrança do ITBI:

O Conflito entre Valor da Transação e Valor Venal de Referência

Resumo

O Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) tem gerado controvérsias nos tribunais e entre os profissionais de Direito Tributário, especialmente no que tange à discrepância entre o valor da transação e o valor venal de referência utilizado para calcular o imposto. Este artigo discute o Princípio da Capacidade Contributiva no contexto da cobrança do ITBI, focando no conflito entre o valor real da transação e o valor venal de referência, comumente estipulado pelos municípios. A análise busca refletir sobre a constitucionalidade dessa prática e os impactos no contribuinte, oferecendo uma visão crítica sobre a necessidade de uma reforma tributária.

Palavras-chave: ITBI, capacidade contributiva, valor da transação, valor venal de referência, Imposto de Transmissão de Bens Imóveis, Direito Tributário, reforma tributária, jurisprudência, princípios constitucionais.


1. Introdução

O Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) é um tributo municipal que incide sobre a transferência de bens imóveis, sendo cobrado quando ocorre a compra e venda de imóveis. A base de cálculo do ITBI, no entanto, gerou uma série de questionamentos jurídicos, principalmente quando o valor da transação diverge significativamente do valor venal de referência utilizado para calcular o imposto. O valor venal é determinado pelo município e muitas vezes não corresponde ao preço real do imóvel no mercado, o que cria um conflito com o Princípio da Capacidade Contributiva.

Esse princípio, inserido na Constituição Federal de 1988, estabelece que a tributação deve ser proporcional à capacidade econômica do contribuinte. Ou seja, o tributo deve incidir de acordo com a realidade financeira de quem paga. Quando o valor venal de referência utilizado para calcular o ITBI é superior ao valor de mercado do imóvel, o contribuinte é obrigado a pagar mais imposto do que sua capacidade de contribuição efetivamente permitiria. Este artigo explora essa problemática, com foco nas implicações jurídicas, tributárias e sociais da cobrança do ITBI.


2. O Princípio da Capacidade Contributiva no Sistema Tributário Brasileiro

O Princípio da Capacidade Contributiva está previsto no artigo 145, § 1º da Constituição Federal, que determina que os impostos devem ser graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte. Isso significa que, ao estabelecer tributos, o legislador deve levar em consideração a situação econômica do indivíduo, de modo a garantir justiça fiscal e evitar uma tributação excessiva sobre aqueles que não têm condições de arcar com impostos elevados.

No contexto do ITBI, esse princípio se reflete na necessidade de que o valor utilizado para a base de cálculo do imposto corresponda ao valor real da transação, e não a uma avaliação administrativa do município que possa não refletir a capacidade financeira do contribuinte. A cobrança do ITBI com base no valor venal de referência muitas vezes resulta em distorções, criando uma disparidade entre o que o contribuinte realmente pagou pelo imóvel e o que ele é obrigado a pagar em termos de imposto.


3. O Conflito entre o Valor da Transação e o Valor Venal de Referência

A principal questão levantada em relação ao ITBI é o conflito entre o valor da transação, que é o valor efetivamente pago pelo comprador, e o valor venal de referência, que é determinado pelo município. O valor venal de referência é uma estimativa do valor de mercado do imóvel, calculado com base em critérios como localização, área e características do imóvel, mas pode ser substancialmente diferente do valor real da negociação.

Em muitas situações, o valor venal utilizado pelos municípios é superior ao valor de mercado do imóvel, o que implica que o imposto a ser pago será maior do que o que seria calculado sobre o valor real da transação. Isso resulta em um aumento da carga tributária, prejudicando o contribuinte que, em teoria, deveria pagar o imposto de acordo com sua capacidade contributiva. O problema é ainda mais crítico em mercados imobiliários em que os preços de mercado podem ser voláteis, com grandes variações em um curto período de tempo.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se debruçou sobre essa questão, e a jurisprudência tem sido no sentido de que a cobrança do ITBI deve ser realizada sobre o valor real da transação, e não sobre o valor venal de referência, quando esse for significativamente superior ao valor efetivo pago pelo bem. Contudo, a aplicação dessa jurisprudência nem sempre ocorre de forma uniforme entre os municípios, gerando uma grande incerteza para os contribuintes.


4. A Constitucionalidade da Utilização do Valor Venal de Referência

O uso do valor venal de referência como base de cálculo do ITBI, mesmo que este valor seja superior ao valor da transação, levanta a questão da constitucionalidade dessa prática. O princípio da capacidade contributiva, consagrado na Constituição, exige que a tributação seja proporcional à real capacidade econômica do contribuinte. Portanto, cobrar um imposto com base em um valor que não reflete a realidade financeira do contribuinte é um questionamento legítimo.

O Supremo Tribunal Federal (STF) tem sido chamado a se pronunciar sobre o tema em diversas ocasiões, mas ainda existem divergências em relação à aplicabilidade do valor venal de referência. Em decisões recentes, o STF tem se inclinado para a tese de que, quando houver uma divergência substancial entre o valor venal e o valor da transação, o valor real da transação deve ser respeitado para fins de tributação.

A interpretação da Constituição Federal sugere que a utilização do valor venal de referência em detrimento do valor de mercado pode violar o Princípio da Capacidade Contributiva, uma vez que resultaria em uma carga tributária desproporcional. Esse descompasso entre o valor de mercado e o valor venal de referência pode ser corrigido por meio de uma reforma tributária que reestruture a forma de cálculo do ITBI.


5. Propostas para Resolução do Conflito

Para resolver o conflito entre o valor da transação e o valor venal de referência na cobrança do ITBI, algumas propostas têm sido apresentadas:

  • Revisão da Base de Cálculo do ITBI: Os municípios poderiam revisar a metodologia de cálculo do valor venal, considerando não apenas características físicas do imóvel, mas também o valor real de mercado da transação. Isso garantiria que o tributo fosse proporcional à capacidade contributiva do contribuinte.

  • Aplicação do Valor de Mercado: Uma medida mais direta seria a obrigatoriedade de que o ITBI seja sempre calculado sobre o valor efetivamente pago na transação, garantindo que o imposto seja justo e adequado à real capacidade do contribuinte.

  • Criação de Mecanismos de Contestação: Estabelecer uma forma mais eficaz e simples para que os contribuintes possam contestar a cobrança do ITBI quando o valor venal de referência for excessivamente superior ao valor de mercado, facilitando a judicialização de casos em que a cobrança é indevida.


6. Conclusão

O ITBI, imposto relevante no contexto do Direito Tributário brasileiro, apresenta um conflito estrutural entre a base de cálculo utilizada pelos municípios e o princípio da capacidade contributiva. O valor venal de referência, frequentemente superior ao valor real da transação, gera uma cobrança excessiva e desproporcional, prejudicando os contribuintes.

A constitucionalidade dessa prática continua sendo debatida nos tribunais, com um consenso crescente de que a cobrança do imposto deve refletir o valor efetivo pago pela transação, em conformidade com os princípios constitucionais. Para garantir justiça fiscal e equidade, é fundamental que o sistema tributário seja reformulado, de modo a alinhar a cobrança do ITBI com o valor de mercado dos imóveis.

A reforma tributária, ao tratar do ITBI, pode ser uma oportunidade para resolver esse impasse e assegurar que a tributação seja mais justa e proporcional à realidade econômica do contribuinte.


Referências

  • Constituição Federal de 1988

  • Código Tributário Nacional – Lei nº 5.172/1966

  • Supremo Tribunal Federal (STF) – https://portal.stf.jus.br/

  • Superior Tribunal de Justiça (STJ) – https://www.stj.jus.br/

  • https://www.tjsp.jus.br